Como tudo no brasil, as eleições acontecem de forma comicamente trágica.
Nossas máquinas de votar são as mais modernas do mundo, precisamos de poucos segundos para digitar um número e em algumas horas a apuração está terminada.
Toda essa agilidade e eficiência causam estranhamento naqueles que estão acostumados às filas, ao caos e à ineficiência do poder público do país.
Um processo judiciário demora vários anos para ser encerrado. E esse processo for contra o estado, levarão algumas décadas até que a pretensão seja efetivamente satisfeita. Para conseguir um documento em algum órgão público, geralmente perde-se a tarde inteira, esperando ser atendido. Para aposentar-se depois de uma vida de trabalho em nome do formigueiro, é preciso ter sorte para não perder alguns anos nas filas do inss. Projetos de lei importantes são desprezados sem nunca serem votados pelo legislativo, e todo tipo de injustiças e ilegalidades acontecem normalmente sem que o executivo interfira.
Já quando se trata de eleições a coisa é diferente. Tudo é feito sob aparente legalidade e eficiência. O povo sente-se honrado por colocar as mãos naquelas máquinas avançadas. Sente-se importante por participar desse processo, afinal, dizem que o futuro do país está em suas mãos e que seu voto é o único instrumento que possui para mudar a triste realidade.
No entanto, é só prestar um pouco de atenção no processo como um todo para perceber a trágica comédia. Nenhum dos candidatos apresenta um discurso sério, concreto, com propostas concretas, opiniões concretas ou metas concretas. Escolhem temas vagos como saúde e segurança e afirmam simplesmente: “comigo haverá segurança” ou “comigo os hospitais funcionarão”.
O ponto principal da campanha é a figura do candidato, que deve apresentar ares de herói e salvador do povo, transformando-se em ídolo através de slogans e frase de efeito. Abusa-se do marketing e das técnicas psicológicas de manipulação das massas, amplamente utilizadas e aperfeiçoadas pelos meios de comunicação, desde a criação do rádio. Geralmente o candidato que tiver a melhor estrutura de marketing será o escolhido pelo povo.
A humanidade acreditou que o sistema democrático seria o caminho para o fim da opressão e da exploração, e lutou por sua implantação. Muitos deram a vida por ele. Mas logo ficou claro que a maioria é manipulada, não elege seus iguais, e a democracia, na prática, perpetua e legitima o poder da minoria dominante.
Em 1830, menos de cinqüenta anos após a revolução francesa, proudhon já percebia e lamentava tal equívoco.
O povo parece não confiar em si mesmo e buscar salvadores, como eterno colonizado..
Além do marketing, outra lendária forma de se conseguir votos é a troca de favores, ou a distribuição de verbas para determinados grupos, em troca de apoio. Todos saem felizes, os eleitores ficam agradecidos e o candidato ainda gasta menos do que gastaria com caríssimas propagandas.
Participo de um grupo de cultura e arte formado quase exclusivamente por jovens que votarão pela primeira ou segunda vez nessa eleições. Se um candidato vai até nós um mês antes da votação e oferece condução grátis para alguns eventos em troca de apoio político, sinto-me obrigado a interferir.
Interferir para abrir alguns olhos e deixar bem claro o que estava acontecendo, interferir para chamar a atenção do tal candidato, interferir para deixar claro que aquilo estava errado, interferir pra dizer que eu não participaria.
Não era minha intenção impedir que eles fechassem o acordo que achassem interessante. De forma alguma. Se todos fazem isso e eu não me meto, porque eu impediria que logo meus amigos fizessem um acordo lucrativo para eles? Ao contrário, queria dizer, inclusive, que seu apoio era importante e eles poderiam conseguir mais do que estava sendo oferecido.
Eles me olharam com olhos assustados, como se eu quisesse impedi-los de conseguir o primeiro apoio financeiro que conseguiam em alguns anos e disseram sorrindo que eu era mesmo um revolucionário-anarquista-louco.
Disse metade do que queria e sai da sala para que eles negociassem em paz.
Uma das coisas que mais me irrita nesse país é a impossibilidade de discutir. É a proibição implícita de tocar em certos assuntos, de dizer que o rei está nu. Falar certas coisas é ser terrorista-revolucionário-anarquista. É preciso manter as aparências, não chamar a atenção para a farsa que vivemos, não questionar nosso ridículo pensamento de colonizados, simplesmente ficar quieto e continuar varrendo a sujeira para baixo do tapete.

Um comentário:
Infelizmente a política tornou-se apática ao paladar do cotidiano. É mais confortavle olhar o próprio umbigo e beber a cerveja de cada dia.
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